Foucault e a revolução iraniana: o jornalismo de idéias diante da “espiritualidade política”
Resumo
"O problema do Islã como força política é um problema essencial para nossa época e para os anos que virão”, respondia Michel Foucault em carta à revista Le Nouvel Observateur a uma leitora iraniana, “Atoussa H.”, em 1979. Escrita após sua segunda e última visita ao país, onde se desencadeava uma mobilização para derrubar o regime do Xá Pahlavi, na replica à carta Foucault procurou responder também às críticas crescentes as suas reportagens sobre a revolução iraniana. Ainda pouco discutidos fora da França, os escritos de Foucault sobre a revolução iraniana adquiriram desde o dia 11 de setembro de 2001 um interesse perturbador. Na medida em que Foucault se interessava pelos momentos de descontinuidade histórica, e naquele momento analisava a complexidade do poder em dispositivos históricos distintos, ele pesquisava também as posibilidades de resistência. Na revolta urbana de milhões de iranianos contra o Xá, Foucault reconheceu um evento histórico de resistência e de auto-afirmação política de primeira importância. Mas Foucault foi ainda mais longe. Após sua primeira visita, encontrou-se com o Ayatollah Khomeini exilado na França. Concebeu que uma “espiritualidade política” estava se desenvolvendo no Irã. Que o objetivo de Foucault era a criação de um verdadeiro jornalismo político de idéias e que, no contexto iraniano, procurava entender a turbulência afetando uma outra civilização, ninguém pode duvidar. Como escreveu Foucault quando o tom de suas reportagens aborrecia os oponentes de Khomeini na França, “a primeira condição para abordar [o problema do Islã como força política], com o mínimo de inteligência, é não começar pelo ódio”. Como se fosse uma aplicação do pensamento do intelectual “específico” e da suspensão da moral no juízo político, Foucault procurava entender esse movimento político radical a partir de seu processo interno. Desde então, conhecemos, pelo menos em seus grandes títulos, os capítulos da empolgação islamista radical no meio oriente. Os artigos de Foucault sobre o Irã, por incompleto que fosse o seu projeto, oferecem uma perspectiva numa época pivotante das novas expressões da política com a religião, na qual estamos todos ainda norteados, seja como muçulmanos, seja como cristãos, judeus, ou mesmo ateus. No contexto da progressão histórica do islamismo chiita e sunita, o “dossiêr Irã” tem sido recebido principalmente de duas maneiras. Uma leitura, a do biógrafo de Foucault, Didier Eribon considera que Foucault fez uma aprendizagem, pioneira na Europa, do processo de transformação subjetiva radical de um povo muçulmano, nessa instância, a dos iranianos. Eribon sugeriu que a “espiritualidade política” abriu o caminho de pesquisa para Foucault na vertente dos processos de subjetivação no interior do projeto reformulado da História da sexualidade. Mas, apesar da atenção equilibrada dessa leitura, tal argumento parece tomar a cronologia pela causalidade. Por outro lado, Foucault era acusado de conceber uma tal “espiritualidade política” através do prisma da morte e da ocultação da liberdade feminina. Autores nesta tendência, tais como Afary e Anderson, concebem que Foucault teria sacrificado a preocupação com as reinvindicações civis, morais e filosóficas dos indivíduos leigos, e especialmente das mulheres, no entusiasmo inicial com que promoveu a experiência do reencontro da religião com a política, e a obsessão na maneira de os revolucionários xiitas confrontarem a morte. Argumentam que o contexto da análise política pós-nietzscheana teria levado Foucault a prognosticar a revolução além de suas conseqüências quanto aos direitos humanos e ao estado de direito. E isso, apesar do fato de que os escritos teóricos de Foucault daquele tempo continuem inspirando o pensamento feminino e feminista. Foucault suspendeu abruptamente seu interesse no prospecto de uma revolução radical no Irã. Como os principais documentos deste período ainda não estão traduzidos ao português, nossa proposta é apresentar os temas principais desse projeto de Foucault, e a sua experiência tal como ela se desenvolveu durante esse breve período entre setembro de 1978 e maio de 1979. Na segunda parte, levaremos em conta também as críticas que lhe foram feitas, e tentaremos relativizar essas críticas. Terminamos com uma aproximação do jornalismo de idéias com o trabalho da artista plástica americana-iraniana, Shirin Neshat.Edição
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