doi: 10.4013/ver.2009.23.54.08
O jornalismo e a experiência espanhola: ensino e profissãoNa tentativa de oferecer elementos para um quadro comparativo com a realidade das discussões sobre o jornalismo no Brasil – tanto no que diz respeito aos contextos atuais de regulamentação da profissão e formalização do ensino, quanto em relação aos estudos e reflexões existentes no campo teórico –, entrevistamos a professora espanhola Maria Rosa Berganza Conde.
Maria Rosa Berganza Conde é doutora em Ciências da Informação e Professora Catedrática em Ciências da Comunicação na Universidade Rey Juan Carlos (URJC) de Madri. É autora de diversas obras e artigos em publicações espanholas e estrangeiras. Entre seus livros pode-se destacar: Investigar en Comunicación (coord., McGraw-Hill, 2005); Periodismo Especializado (EIUNSA, 2005); Mujer publicada, mujer maltratada. Libro de estilo para informar en los medios de comunicación sobre la mujer (Inst. Navarro de la Mujer, 2003); El espejo mágico. La nueva imagen de la mujer en la publicidad actual (Inst. Navarro de la Mujer, 2002); e Comunicación, opinión pública y prensa en la sociología de Robert E. Park (CIS, 2000). Atualmente dirige o grupo de pesquisa ANIMA+D (Análisis e Investigaciones Mediáticas Aplicadas) da URJC.
A Espanha possui uma trajetória interessante no que diz respeito à evolução dos cursos de Comunicação – e de Jornalismo – e do papel destes frente ao mercado de trabalho. Historicamente, a relação entre academia e veículos de comunicação está marcada por um contexto singular: ao mesmo tempo em que não há a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista, cabe ao profissional de comunicação o protagonismo nos processos de produção da informação na mídia.
Atenta às discussões sobre a regulação do ensino e da profissão em seu país, Berganza Conde, nessa entrevista, fala sobre a relação meios de comunicação, jornalistas e universidade, explicitando alguns pontos de vista pessoais sobre esse processo e o seu olhar sobre o jornalismo sob um viés mais amplo, o dos estudos comunicacionais.
Frederico de Mello Brandão Tavares: No primeiro semestre de 2009, em meio a muita polêmica, o Supremo Tribunal Federal brasileiro aprovou a desregulamentação da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão no país. Atualmente, outra discussão em voga diz respeito às propostas de Novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Jornalismo pelo Ministério da Educação. Na Espanha, o diploma de jornalista não é uma exigência formal para a atuação na área e há cursos de graduação em Jornalismo. Como essa realidade influenciou o jornalismo como profissão e como formação universitária?
Maria Rosa Berganza Conde: Bem, você me pergunta sobre duas questões. A primeira sobre a exigência dos diplomas para entrar na profissão. Na Espanha não é necessário nenhum título acadêmico obrigatório, de nenhuma área, para exercer a profissão de jornalista. Mas a realidade dos meios aponta que, na maioria dos casos, as empresas jornalísticas contratam somente pessoas que tenham uma licenciatura ou um grado (agora, seguindo as diretrizes européias do Tratado de Bolonha, chamamos as licenciaturas de grado) de Comunicação, que pode ser em Jornalismo, Comunicação Audiovisual ou Relações Públicas e Publicidade. Essas três titulações nós consideramos como titulações da área de Ciências da Comunicação. Em nossa faculdade, por exemplo, oferecemos os três cursos. São titulações de uma especialização dentro da área de comunicação. Não há na Espanha, na nossa ou em outras instituições, uma titulação em Comunicação Social. Neste contexto, hoje, os meios de comunicação poucas vezes exigem outros tipos de licenciados ou licenciadas em outras diplomaturas como, por exemplo, Economia. Só em casos muito excepcionais onde se vai produzir informação altamente especializada. Mas mesmo nessas situações, a maioria dos jornais e cadeias de televisão espanhóis preferem licenciados em Jornalismo.
Tavares: Tal contexto se dá em função de uma espécie de crença histórica dos meios no saber desenvolvido na universidade, como se o conhecimento e as técnicas fossem decisivos para formar o profissional que melhor trabalharia em uma redação?
Berganza Conde: Sim. Como eu disse, os veículos preferem sempre, ou praticamente sempre – eu diria que em 95% dos casos –, licenciados em Jornalismo, Comunicação Audiovisual ou Publicidade. Isso porque os meios creditam a estes profissionais uma visão mais ampla da Comunicação. Acreditam que os egressos desses cursos estariam preparados para enfrentar situações em que se exigiria uma competência múltipla de trabalho. Além disso, por não possuirem somente uma formação prática, mas universitária, isso faz com que se valorize sobre estes profissionais sua visão critica em relação à sociedade. Nesse sentido, os meios preferem aqueles diplomados que vêm de estudos mais enfocados à profissão, pois estes saberes permitirão a estes profissionais trabalharem em qualquer área da informação, seja especializada ou não, e cumprir com as mais distintas habilidades.
Tavares: Os cursos de comunicação na Espanha são novos e, além disso, o nascimento de alguns meios coincidem com o processo de maturação dos mesmos, caso, por exemplo do El País, que tem pouco mais de 30 anos. Desde o início dos cursos, os meios foram receptivos aos graduados em comunicação? Como foi esse processo histórico?
Berganza Conde: Sim, sempre foi boa a aceitação aos graduados em comunicação. Os estudos em comunicação na Espanha têm 50 anos e quem os iniciou foi a Escola de Navarra através da Escola de Jornalismo. Antes disso, de existirem estudos de comunicação, os jornalistas não tinham uma formação universitária. No momento em que passou a existir uma titulação universitária de Ciências da Informação e da Comunicação, as empresas de jornalismo optaram por praticamente contratar só profissionais graduados.
Tavares: E isso não foi um processo “traumático” para os profissionais que já estavam nos periódicos?
Berganza Conde: Não. Os profissionais que ali estavam não tinham nenhum tipo de formação especial e tampouco foram estudantes de Direito, de Economia. Simplesmente não tinham estudos universitários. Ainda restam alguns desses profissionais nas redações, mas são poucos e estão muito velhos. Antes, há mais ou menos 15 anos, a porcentagem de diplomados da área de comunicação não era tão alta, mas também não se pode dizer que era baixa. Ou seja, a preferência dessas empresas por esses titulados sempre esteve clara desde o princípio.
Tavares: Além da academia e do mercado, outro eixo dessa relação entre profissão e formação universitária está nas associações que regulam a prática profissional. É o caso, na Espanha, da Federação de Associação de Imprensa e outras entidades regionais voltadas para o jornalismo. Como é a relação dessas entidades com a universidade? Como influem na formação dos estudantes de jornalismo?
Berganza Conde: Há uma boa relação, mas não se pode dizer que seja suficientemente forte. Em alguns casos, por exemplo, há uma colaboração na elaboração de planos de estudo e currículos acadêmicos. Mas isso não é obrigatório e não se faz sempre. Acredito que é uma relação menos intensa do que poderia ser. Tal intensidade, entretanto, está ligada também à representatividade dessas entidades. Na Espanha, não é obrigatório para os jornalistas associarem-se. Então só uma parte muito pequena na profissão está representada pelas Associações de Prensa, o que faz com que seu poder e sua influência dentro da profissão seja muito limitado, assim como sua influência dentro da universidade. Por exemplo, agora que estamos em fase de reformulação dos cursos de graduação em função do Tratado de Bolonha, nós aqui da Universidade Rey Juan Carlos nos colocamos em contato com associações profissionais para perdir-lhes assessoramento sobre o que pensavam sobre as exigências e competências para uma boa formação em Publicidade, Relações Públicas, Audiovisual ou Jornalismo. Pedimos a opinião e contamos com seus conselhos. Mas sempre de maneira informal, com reuniões de consulta para tratar de nos adequar ao mercado de trabalho. Mas isso é algo que fizemos nós da URJC, o que não significa que outras universidades o fizeram.
Tavares: Apesar dessa pouca representatividade, pode-se observar em documentos e alguns estudos que tais associações, há alguns anos, realizam movimentos em prol da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Se já há entre os meios uma boa aceitação em relação aos diplomados, que consequências reais existiriam com essa regulação?
Berganza Conde: Na Espanha sempre houve entre os jornalistas uma tradição de priorizar ao extremo a liberdade, o que fez com que sempre se rechaçasse qualquer tentativa de regulação da profissão e das tarefas que competem ao profissional em qualquer sentido. Dessa maneira, no que diz respeito ao âmbito jornalístico, a regulação sempre foi problemática. Há uma visão de que qualquer tipo de regulação do jornalismo seja um atentado à liberdade do jornalista. Mas isso, certamente, traz alguns problemas para a profissão. Por exemplo, assistimos a uma televisão onde muitos “programas do coração”, o que chamamos aqui de “informação rosa”, não oferecem informação verificada e se baseiam somente em rumores, não contribuindo com a existência de uma qualidade informativa. Hoje, entretanto, muitos veículos contam, dentro de suas redações, com defensores do leitor, ouvinte ou telespectador, que servem para tentar reclamar frente aos meios maior ética e uma melhor verificação sobre os dados em que se baseiam as informações.
Tavares: Um trabalho que, na verdade, estaria mais voltado para o monitoramento da qualidade da informação do que realmente em garantir direitos e deveres aos profissionais...
Berganza Conde: Efetivamente se optou pela autoregulação dentro dos meios uma vez que a regulação da profissão aqui sempre foi muito polêmica e, por isso, deve ser observada com mais cuidado.
Tavares: Mas essa autoregulação não parece dar aos meios um certo poder? Ou seja, dos meios partiriam as exigências para o profissional?
Berganza Conde: Sim, tem razão. Pois fazendo só dessa maneira há um perigo sobre o controle. Houve uma iniciativa interessante na Espanha que foram os Conselhos Audiovisuais. Existem em distintas comunidades autônomas, como na Catalunha e em Navarra, conselhos que tentaram, atrelados a um apoio governamental, fomentar a qualidade informativa. Mas até agora não tiveram suficiente força para influir na rotina dos veículos de comunicação. O que fazem na maioria dos casos é elaborar recomendações – não obrigatórias – aos meios. Por outro lado, seu papel tem que ser reforçado e é provável que no futuro isso tenha efeitos.
Tavares: E este tipo de movimento ou iniciativa possui visibilidade frente à sociedade? A sociedade está atenta a esse debate?
Berganza Conde: Creio que a sociedade está consciente de que é necessário melhorar a profissão jornalística e as práticas profissionais. Há muitas queixas nesse sentido. Quando se pergunta à população espanhola sobre os meios através de pesquisas, o que aparece é que os jornais e outros produtos midiáticos são cada vez menos críveis e menos confiáveis. Deste ponto de vista, pode-se afirmar que a profissão está em crise. Pois se reconhece socialmente que não se realiza as melhores práticas, que diriam da missão e do papel da nossa profissão. Entretanto, ao mesmo tempo, não há movimentos sociais fortes que pressionem sobre essa melhoria.
Tavares: Mas a regulação da profissão, nesse sentido, não seria um passo à solução dessa crise?
Berganza Conde: Depende de como se realize esse processo. Eu creio que se deve fazê-lo com muito cuidado. Pois estaremos sempre criando leis que podem resvalar em limites para a profissão jornalística.
Tavares: Aos jornalistas em geral, a regulamentação da profissão, portanto, não seria um fator determinante para a melhoria da profissão?
Berganza Conde: Minha impressão pessoal é que eles não pensam que seja a solução definitiva, mas sim que há muita preocupação dentro da profissão jornalística no que diz respeito à queda de qualidade dos produtos informativos e do jornalismo em geral. Mas qual é a solução para isso não se pode afirmar. Há uma diversidade de opiniões. E se a melhor solução seria a regulação externa, por outras entidades, creio que não há unanimidade. Essa é a minha percepção.
Tavares: E do ponto de vista da melhoria das condições de trabalho? Direitos trabalhistas, salários etc?
Berganza Conde: Dessa parte sim. Creio que seria muito interessante. Pois em geral é uma profissão pouco valorizada, com baixos salários e com um mercado de trabalho cada vez mais fechado. Nesse sentido sim seria importante pensar numa regulação.
Tavares: Voltando ao papel da universidade, como o fato de os veículos contarem quase que totalmente com egressos de escolas de comunicação afetou a “maneira de ser” dos meios de comunicação na sociedade?
Berganza Conde: Creio que a universidade teve um papel importantíssimo no exercício da profissão através da formação de comunicadores em diversas áreas, bem como na “evolução” dos meios. Contribuiu historicamente para a consituição de uma série de critérios para o funcionamento dos veículos. Por exemplo, nas discussões sobre o que é notícia ou não. Os estudos de comunicação influenciaram muito na profissão e os profissionais reconhecem isso.
Tavares: Mas se observamos a tradição espanhola e a contribuição dos estudos para o crescimento do jornalismo, parece haver uma separação clara, assim como no Brasil, entre estudos “mais práticos” e outros “mais teóricos”. Como essa “divisão”, na sua opinião, afeta o ensino e a própria colaboração da academia no mercado de jornalismo?
Berganza Conde: O ensino de jornalismo e de comunicação em geral necessita tanto de obras mais práticas quanto de obras mais críticas. Os estudos se constituem com disciplinas dos dois tipos, o que faz com que haja a necessidade de existirem ambos os tipos de produção bibliográfica. Na Espanha, temos desenvolvido pesquisas na área de Comunicação e, cada vez mais, há bibliografias que priorizam um ponto de vista mais investigativo, principalmente nos últimos 15 anos. Antes disso, é verdade, existiam livros mais próximos aos fazeres profissionais, voltados ao ensino de práticas concretas. Agora, entretanto, um outro tipo de bibliografia teórica tem ganhado fôlego. Mas temos que ter em conta que nossos estudos ainda são muito jovens se olharmos a partir de uma perspectiva de pesquisa. Comparativamente, ainda estamos distantes de tradições de estudo existentes em outros países.
Tavares: Nesse sentido, com o desenvolvimento das pesquisas, há uma entrada mais forte do aspecto crítico ao fazer profissional, bem como de um viés mais abstrato. Seguindo esse raciocínio, até que ponto houve na Espanha um crescimento epistemológico dos estudos, mas um afastamento da realidade prática? Isso existiu?
Berganza Conde: As faculdades de Ciências da Comunicação na Espanha estão muito próximas do campo profissional. Isso é um processo histórico. Por isso, um “crescimento epistemológico” não seria, para nós, um perigo real. Acredito que há um equilíbrio entre os estudos voltados para questões mais práticas, que também cresceram, e os estudos mais teóricos. Os estudos souberam acompanhar o desenvolvimento das tecnologias e contribuiram para a melhoria do ensino nas disciplinas voltadas para o campo profissional. Hoje, por exemplo, em nossa Universidade, a URJC, mais de 50% das disciplinas são práticas, mas, mesmo assim, os estudos que as embasam não são “tão práticos” como aqueles desenvolvidos na Inglaterra, que tem uma outra tradição. Todavía, são muito mais práticos que os estudos de comunicação e de jornalismo na Alemanha, França ou Itália. Então creio que alcançamos um bom equilíbrio. O perigo era que a reflexão crítica dos meios ficasse distante do ensino. Mas na Espanha creio que soubemos atingir um equilíbrio.
Tavares: Não há, por exemplo, um preconceito profissional em relação à crítica teórica?
Berganza Conde: Não. Há um respeito entre os profissionais e a academia. Além disso, as universidades mais jovens incorporaram em seu corpo docente egressos do mercado de trabalho que trabalharam por muitos anos em meios de comunicação e que conciliaram a prática profissional com a reflexão acadêmica, o que nos aproxima da realidade dos meios. Nessas mesmas universidades também, onde há uma melhor estrutura física, há a possibilidade de formar um profissional que esteja atualizado do ponto de vista tecnológico, o que também favorece sua aceitação após a conclusão do curso de graduação.
Tavares: Ainda em relação aos estudos, em sua opinião, haveria algum tipo de pesquisa que melhor contribuiria para a constituição do jornalismo como uma área de conhecimento no campo da comunicação?
Berganza Conde: Bem, é verdade que disse que se desenvolveu muito a pesquisa teórica em distintas áreas da comunicação. Mas é certo que nem todas as áreas se desenvolveram de igual maneira. Por exemplo, a Teoria da Comunicação, a Metodologia de Pesquisa são campos que cresceram bastante. Já em outras como, por exemplo, o Jornalismo Especializado, houve um “boom” de estudos que depois, em pouco tempo, perdeu seu ritmo de crescimento.
Tavares: Mas pode-se dizer que entre uma perspectiva crítica e outra mais aplicada, alguma delas prevaleceria para o jornalismo?
Berganza Conde: Não. Creio que temos que seguir produzindo nos dois âmbitos, sempre em busca de um equilíbrio. E, acredito, esse contexto pode ser percebido nos estudos espanhóis de jornalismo.
Tavares: Na bibliografia espanhola de comunicação, é conhecido o termo “Periodística” para se referir a um conjunto de textos que pensam o Jornalismo. Se pensamos a “Periodística” como um campo de conhecimento, correspondente às Teorias do Jornalismo, como podemos associá-la aos outros dois marcos teóricos presentes no ensino da comunicação na Espanha, mais especificamente as Teorias da Comunicação e as Teorias da Informação?
Berganza Conde: As Teorias da Comunicação e da Informação compõem um conjunto mais amplo de estudos que seriam as ciências da comunicação. Não gosto muito do termo “Periodística”, pois creio que os estudos sobre Jornalismo estão integrados aos outros dois primeiros. Ou seja, não estão separados, mas integrados a eles. Acredito que o marco científico de nossa área está na base criada pelas Teorias da Comunicação. E utilizar o termo “Periodística” para definir um campo em separado me parece optar por uma expressão às vezes ambígua ou pouco definida. É verdade que alguns autores e autoras espanholas o utilizam, mas a “Periodística” vem de uma corrente de estudos alemã que pode gerar alguns conflitos se contextualizadas em relação a outros estudos espanhóis ou de comunicação.
Apesar de existir o termo, não podemos dizer que seja consensual, em minha opinião, a ponto de utilizarmos a expressão para nos referirmos a um campo de estudos, ou a uma corrente de estudo já estabelecida. Seria sim uma terminologia utilizada por alguns autores mas que, no desenvolvimento dos estudos de Ciências da Comunicação, não possui, exatamente, muito êxito.
Tavares: Neste mês de dezembro de 2009, uma das mesas temáticas do I Congresso da Sociedade Latina de Comunicação que ocorrerá na Universidade de La Laguna, em Tenerife, tem por titulo “La posUniversidad europea: Bolonia, ¿principio o fin? La formación de comunicadores en América Latina y España”. Considerando as diferenças existentes na regulamentação da profissão de jornalista nos mais diversos países, ao seu ver, que papel terá o Tratado de Bolonha na configuração da profissão de jornalista a partir de um pensamento coletivo e ao mesmo tempo autônomo do ponto de vista universitário? Quais os principais desafios que aí se encontram?
Berganza Conde: Os distintos países estão adotando o Tratado de Bolonha de maneiras diferentes. Isso me faz pensar que não vai haver tanta sintonia ou convergência nos estudos como havíamos pensado inicialmente. De qualquer forma, teremos que acompanhar o processo e observar em curto e médio prazo suas consequências. No contexto espanhol, temos como principal desafio para a aplicação das propostas do Tratado a questão de financiamento. Pessoalmente, me parece que Bolonha trouxe uma perspectiva metodológica interessante, uma atenção mais próxima ao aluno, valorizando a maturidade da universidade. No entanto, não é possível aplicar seus objetivos se não se reduz o número de alunos por classe e se não se dota as universidades de um apoio econômico específico. Por isso, creio, a aplicação real do tratado vai ser muito lenta e, talvez, difícil. Há universidades que têm menos dificuldade de levar a cabo essas mudanças, como as menores; mas há outras maiores, com milhares de alunos, que teriam obstáculos mais amplos para superar. Além disso, há um período de crise econômica, que se choca com as necessidades práticas que constituem a mudança metodológica de ensino da qual parte o Tratado de Bolonha.
Tavares: Do ponto de vista da formação do aluno, apesar de haver esse contexto que singulariza o processo em cada país e/ou instituição, pode-se dizer que há um perfil comum pensado para o jornalista formado no âmbito europeu ou espanhol? Que profissional seria esse?
Berganza Conde: Tem-se trabalhado muito na fixação de quais seriam as competências e as habilidades que necessita ter um bom jornalista. Nesse sentido, no momento de constituição dos currículos acadêmicos e de construção de suas disciplinas, tem-se refletido sobre isso. Há que se ter em conta de forma clara e concreta quais os objetivos que existem por detrás de tais habilidades e competências, e como estes afetam a formação do aluno e sua futura prática profissional. Há, em relação a isso, um trabalho conjunto dos programas de disciplinas no que diz respeito ao que se pretende para este novo jornalista. O que, pode-se dizer, é um avanço. Além disso, buscou-se fixar, em cada universidade uma série de critérios de ensino para professores que trabalham com uma mesma matéria, a fim de criar um quadro comum de conteúdos e modelos de desenvolvimento sobre certo tema ou área de formação.
Tavares: E isso também se deu de um ponto de vista inter-institucional?
Berganza Conde: Em menor número, creio. Uma vez que as universidades são autônomas – e isso é fato importante neste processo – os acordos entre instituições se cercam de vantagens e desvantagens. De qualquer maneira, há, para cada matéria, uma série de descritores, tópicos, que são compartilhados e que dizem de objetivos claros e previstos, inclusive por lei.
Tavares: E as entidades e os meios de comunicação, influenciaram nessa nova construção acadêmica dos cursos?
Berganza Conde: Em alguns casos sim. Mas predominantemente de maneira mais informal.
Tavares: Para finalizar, como a senhora vê o papel da pós-graduação no desenvolvimento do ensino de jornalismo e do crescimento deste como campo de estudo?
Berganza Conde: Parece-me que na Espanha as políticas de pós-graduação ainda estão por se definir. Estamos em um processo de mudança, muito diverso, e ainda precisamos avançar no que diz respeito a linhas comuns em relação ao que pretendem os diversos tipos de estudos de pós-graduação, a fim de que todas as universidades possam seguir essa perspectiva. O que me parece é que há uma política nesse sentido, mas que está em desenvolvimento. Mas ainda há muito o que fazer. Atualmente, todas as titulações de graduação e pós-graduação tem que passar pelo crivo da ANECA (Agencia Nacional de Evaluación de la Calidad y Acreditación) e os diferentes tipos de pós-graduação, para adequar-se a essa realidade, terão que fazer ajustes para trabalhar em um sentido comum sobre a oferta de cursos.
Tavares: Mas do ponto de vista teórico e de linhas de pesquisa, pode-se afirmar que há uma tradição de estudo constituída?
Berganza Conde: Não saberia afirmar, dada a grande variedade de enfoques que possuem nossa pós-graduação. Principalmente com o viés mais profissional de muitos mestrados e com a perspectiva mais especulativa dos cursos de doutorado. De qualquer forma, está aí um tema interessante para uma pesquisa: classificar e organizar sobre essa realidade espanhola dos estudos pós-graduados.
1Maria Rosa Berganza Conde é Doutora em Ciências da Informação e Professora Catedrática em Ciências da Comunicação na Universidade Rey Juan Carlos (URJC) de Madri. É autora de diversas obras e artigos em publicações espahnolas e estrangeiras. Entre seus livros pode-se destacar: Investigar en Comunicación. (coord., McGraw-Hill, 2005); Periodismo Especializado (EIUNSA, 2005); Mujer publicada, mujer maltratada. Libro de estilo para informar en los medios de comunicación sobre la mujer (Inst. Navarro de la Mujer, 2003); El espejo mágico. La nueva imagen de la mujer en la publicidad actual, (Inst. Navarro de la Mujer, 2002); e Comunicación, opinión pública y prensa en la sociología de Robert E. Park (CIS, 2000). Atualmente dirige o grupo de pesquisa ANIMA+D (Análisis e Investigaciones Mediáticas Aplicadas) da URJC.
2Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Integrante do Grupo de Pesquisa Estudos em Jornalismo (GPJor/UNISINOS). Bolsista SWE do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para estágio de Doutoramento no Exterior junto à Universidad Rey Juan Carlos (Espanha), de agosto de 2009 a fevereiro de 2010. E-mail: fredericombtavares@yahoo.com.br.